Otero-gate revisited

sábado, 24 de abril de 2010 by l.

João Miranda, provavelmente o mais influente blogger português e como sempre em grande forma, mostra que o famoso teste do Professor Paulo Otero é, de facto, interessante do ponto de vista académico. Deixo-vos um comentário feito n'O Insurgente, que ilustra bem isto:


"Curioso. Ainda não li nenhum argumento constitucional contra o casamento entre animais. Usar argumentos como “um contrato de casamento tem que envolver exclusividade” ou “animais não podem celebrar contratos”. Nenhum desses princípios está na constituição, ou se estão estão lá de forma muito subtil e o caso requer muito mais argumentação e elaboração. Por outro lado, o exame pede argumentos contra e a favor, o que exige a quem lhe quiser responder um pouco mais de ginástica intelectual.

Aliás, há várias linhas de raciocínio interessantes. Por exemplo:

1. Casamento entre animais é constitucional porque a constituição não define casamento podendo este ser um conceito aberto (foi este o argumento usado pelo TC a propósito do casamento gay). Isto implica que, do ponto de vista constitucional, o casamento pode ser o que se quiser (porquê prescindir dos sexos opostos e não prescindir da exclusividade ou mesmo da racionalidade dos esposos?). Note-se que o facto de ser constitucional não implica sequer que seja uma ideia juridicamente consistente. Apenas implica que não há nada na constituição que o proíba.

2. Casamento entre animais é inconstitucional porque existem limites para aquilo que um casamento pode ser, e em qualquer caso o casamento implica a racionalidade dos agentes.

3. Casamento entre animais é inconstitucional porque está implícito na constituição que determinadas instituições são exclusivas dos cidadãos e que nenhum cidadão pode ser um ser irracional. Esta linha coloca dois problemas subsequentes: (i) e se aparecerem dois animais racionais, já podem casar? (ii) Quer isso dizer que os animais não têm direitos?

4. Casamento entre animais é inconstitucional porque viola os pressupostos éticos da sociedade (que implicam que determinadas instituições devem ser respeitadas e dignificadas).

5. Casamento entre animais é constitucional porque, embora os animais não tenham racionalidade, são ainda assim seres sensíveis (no sentido em que podem sofrer), podendo o casamento em determinados casos minorar esse sofrimento. A ideia desta linha de argumentação é estender os direitos humanos de forma gradual aos animais a lá Peter Singer. Identificar situações concretas em que o casamento pudesse minorar o sofrimento de animais é difícil, mas a piada do exercício é mesmo essa.

Qualquer destas linhas de argumentação é possível e permite, com algum trabalho e conhecimento dos princípios constitucionais, uma resposta razoavelmente interessante e aprofundada às perguntas colocadas. Parece-me ainda evidente que qualquer aluno de direito constitucional deve ser capaz de discutir estes problemas, isto é, deve ser capaz de explorar formas de adaptar princípios constitucionais a situações limite. As perguntas colocadas colocam o aluno perante os fundamentos dos fundamentos do direito constitucional (sobretudo os pressupostos não escritos: (i) cidadão é qualquer ser racional; (ii) na base de qualquer constituição está a ética da sociedade a que ela se deve aplicar) e por isso o exame é excelente.

Note-se que num exame desde tipo interessa muito pouco saber quem tem a resposta certa. Interessa muito mais saber quem é capaz de argumentar a favor de cada uma das teses."


Mantenho a minha posição. Provocatório? Sim. Descabido? Acho que se acaba de mostrar que não. E não pensem que estou a defender o professor em causa, porque penso que é de longe o mais odiável (e odiado?) da nossa FDL.

1 recortes:

  1. Charlotte
    24 de abril de 2010 às 13:29

    o que ele diz é totalmente valido/defensável e faz todo o sentido.
    Mas repara no que ele diz "Qualquer destas linhas de argumentação é possível e permite, com algum trabalho e conhecimento dos princípios constitucionais ..". Nao sao principios apenas constitucionais mas, e fudamentalmente, principios fundamentais. volto a repetir o que disse no meu post: no primeiro ano de faculdade os alunos não tem preparação nem maturidade suficiente para dissertarem sobre direitos fundamentais. Uma pena na minha opiniao. Teriam dado uma bofetada de luva branca ao Sr Prof Paulo Otero.

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